A partir do primeiro professor nomeado para a Cadeira Pública de Língua Inglesa por uma Carta Régia em 1809, tem-se a institucionalização do ensino de língua inglesa no Brasil, ainda que tenha havido experiências práticas de seu ensino desde o Brasil colônia. A adoção do ensino de língua inglesa na Educação Profissional e Tecnológica no Ceará data de 1961, na institucionalidade Escola Industrial de Fortaleza, quando se teve o primeiro professor da língua na escola.
Entre 1942 e 1965, a Escola Industrial de Fortaleza foi a institucionalidade do atual Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (doravante IFCE), estabelecido pela lei n. 11.892/2008, que criou os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia. A referida lei determina que, pelo menos, 50% dos cursos da instituição sejam para ministrar educação profissional técnica de nível médio. Ela também determina o mínimo de 20% das vagas ofertado em cursos de licenciatura. O IFCE oferece o curso de Licenciatura em Letras em 9[1] de seus 33 campi, sendo a habilitação em língua inglesa ofertada em 6. Consequentemente, esse dado revela a predominância na contratação de professores de língua inglesa para atuar no IFCE, o que se traduz, portanto, em uma hegemonia do ensino dessa língua na Educação Profissional e Tecnológica (doravante EPT) desenvolvida na instituição.
[1] O curso de Letras-Português/Inglês é ofertado atualmente nos seguintes campi: Baturité, Camocim, Tianguá, Umirim, Tauá e Tabuleiro do Norte. O curso de Letras-Português é ofertado no campus Crateús. O curso de Letras-Português/Espanhol é ofertado no campus Crato. O curso de Letras-Português/Libras é ofertado no campus Acopiara.
Busca-se, com este estudo, compreender a hegemonia atual do ensino de língua inglesa na instituição. De imediato, essa hegemonia representa uma contradição referente às bases conceituais da EPT no Brasil, que atualmente apontam para uma formação humana integral. Segundo essa concepção, o acesso à totalidade dinâmica da objetividade do mundo pode ser garantido à medida que uma subjetividade tiver maior exposição à diversidade cultural, em face dos conhecimentos científicos e tecnológicos produzidos e acumulados pela humanidade. Ao pressupor que a língua é essencialmente manifestação cultural e a linguagem é a faculdade humana responsável, dentre outras coisas, por categorizar a realidade, priorizar o ensino de somente uma língua estrangeira (além da materna) para a formação humana é, consequentemente, restringir as potencialidades do sujeito para sua emancipação e transformação social, orientado para a construção de novos padrões de produção de conhecimento, de ciência e de tecnologia.
Uma outra contradição se apresenta na política linguística do IFCE – resolução nº 103, de 04/12/19. Ela sinaliza para a valorização do conhecimento das línguas em uma perspectiva plurilíngue, que favoreça a compreensão e a cooperação com culturas diferentes e a promoção de condições adequadas para o ensino de línguas em todos os cursos do IFCE (IFCE, 2019). Eventualmente, os pressupostos da formação humana integral seriam contemplados quanto mais possibilidades de aprendizagem de diferentes línguas os currículos apresentassem.
Deparamo-nos, portanto, com estas questões de pesquisa: por que há hegemonia do ensino de língua inglesa no tempo presente no IFCE? Como essa hegemonia foi-se desenvolvendo ao longo do tempo? Para responder essas questões, percebemos que é preciso analisar, numa perspectiva crítica, o percurso sócio-histórico do ensino de língua inglesa no Brasil até a adoção do idioma no processo histórico do IFCE – o que constitui o objetivo geral deste trabalho. Como objetivos específicos, foram definidos: 1) Investigar os impactos das reformas educacionais brasileiras no ensino de inglês dentro da EPT até a adoção do idioma no processo histórico do IFCE; 2) Reunir memórias de professores, por meio de entrevistas, para reconstruir o processo histórico do ensino de língua inglesa nos primeiros anos de sua adoção na rede federal de EPT em Fortaleza; 3) Identificar, por meio de análise documental, o percurso histórico do ensino de língua inglesa a partir de sua adoção na década de 1960 na Escola Industrial de Fortaleza; e 4) Produzir um blog educacional para auxiliar professores de inglês do IFCE na temática da EPT numa perspectiva histórica.
O primeiro contato com o tema deste estudo se deu quando fui convocado para atuar no IFCE como docente de língua inglesa em abril de 2019. Na época, lembrei que havia nas prateleiras de minha biblioteca pessoal um livro que fora publicado em 2015 sobre o ensino da língua inglesa na cidade de Fortaleza. Organizado por Araújo e Araújo (2015), o livro “Yes, nós temos memória” tem como objetivo registrar a memória do ensino de inglês em Fortaleza, pois “a parte significativa da história dos cursos estava menos nos livros e mais na memória das pessoas que fizeram parte dele” (Araújo e Araújo, 2015, p. 11). As memórias acerca do ensino da língua inglesa no IFCE estão contidas no capítulo “Yes, nós temos língua inglesa no IFCE” (RIBEIRO, 2015). Trata-se de um relato de experiência que, evidentemente, apresenta um recorte reduzido da história do ensino da língua inglesa no IFCE haja vista ser uma exposição que utiliza mais da memória da autora e menos de fontes de natureza primária, ainda que documentos oficiais tenham sido referenciados.
Após pesquisa no Catálogo de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações, utilizando diferentes descritores, identifiquei o ineditismo desta investigação. Há, portanto, uma grande lacuna no registro do percurso histórico do ensino da língua inglesa no IFCE. Logo, suscita-se a emergência do tema. Ademais, conhecer a história de uma disciplina escolar pode elevar o autoconhecimento dos atores que concorrem para seu desenvolvimento e, assim, aumentar a responsabilidade de suas escolhas. Em nosso caso específico, relacionar o ensino de língua inglesa com a EPT desenvolvida no IFCE ao longo de seu processo histórico permitirá opções mais assertivas no fazer pedagógico.
Enquanto docente de língua inglesa do IFCE, o interesse pela história da instituição surge naturalmente, sobretudo a história acerca do componente curricular que ministro. O estado atual das práticas no ensino da língua inglesa no IFCE é, obviamente, explicado pelo passado ou, mais bem colocado, pela construção dessa trajetória a partir das políticas educacionais implementadas nas diferentes épocas e do desenvolvimento da profissão de ensinar línguas. Muito além da mera descrição do passado, investigar a trajetória sócio-histórica do ensino da língua inglesa no IFCE é refletir criticamente acerca da preservação da memória coletiva da instituição nesse tema.